É isto mesmo. Diariamente, a cultura e língua modernas se servem da cultura e língua antigas, ou clássicas, em muitos países do planeta. Elas se constituem alicerces que sustentam as línguas românicas modernas, como: o espanhol, o italiano, o francês e o português.
A linguagem técnica de certas áreas da ciência, principalmente o Direito, a Biologia, a Medicina, a Matemática e até mesmo a Informática é greco-latina. Nas escolas de nosso País, no entanto, as línguas da antiguidade clássica, em termos de estudo, deixaram de existir no conteúdo programático. Ao mesmo tempo, porém, os manuais de Língua Portuguesa e Literatura incluem, na parte gramatical, uma lista de radicais greco-latinos, (o que já é um consolo!). Se não fosse assim, como imaginar uma árvore sem raízes? Equivaleria a construir um prédio começando pelo telhado.
Línguas antigas não são coisas do passado. Quando dizemos “filosofia” (amigo da sabedoria), ou “teologia” (discurso sobre Deus), ou “biologia” (estudo da vida), ou “hemorragia” (‘háima’, sangue; ‘roêin’, derramar), originariamente não estamos falando português, e sim grego. Ou ainda, quando informamos que alguém sofreu um ataque “cardíaco” (‘kardia’, coração), ou que o orador defendeu uma idéia “polêmica” (‘pólemos’, guerra), nada mais é do que “falar grego”, que todos entendem.
Centenas e mais centenas de palavras foram gentilmente fornecidas pelos gregos aos renomados dicionários luso-brasileiros. Aliás, a Gramática Histórica mostra a origem e a transformação por que passaram os vocábulos latinos até se fixarem na língua portuguesa.
A “mãe romana” também é muito generosa. Ela legou precioso tesouro à posteridade luso-brasileira: língua e cultura. O latim foi absorvido e integrado nas veias dos poetas, escritores, oradores, estudantes e falantes, através destes mais de quinhentos anos de história brasileira. A professora de Língua e Literatura, Léa Sá, da Universidade do Sagrado Coração, de Bauru (SP), teceu uma consideração muito feliz a respeito da língua-mãe: “O Português é o Latim atualizado”. As palavras: autor “supra-citado”, “objeto” e “objeção” (‘ob+ jectare’), extraordinário (‘extra+ordinis’), “etc” (‘et cetera’ = e outras coisas mais) são antigas e modernas, faladas e entendidas por todo cidadão de língua portuguesa.
Um casal jovem estava discutindo. Num dado momento, a mulher não teve dúvidas e proferiu a sentença: “Você é um idiota”. O marido retrucou: “E você não é”? Depois de alguns esclarecimentos mútuos, e sorrindo, concluíram: “Nós somos idiotas”. Na origem, “ídios” (idiota) significa ‘próprio’, ‘particular’, ‘original’, ‘sui generis’. Numa outra situação, a filha (portuguesa), 15 anos, mergulhada na Internet, quis desqualificar a mãe (romana) e lhe disse: “A senhora parece antiquada, velha, fora do tempo, morta”. Ao quê a mãe respondeu: “Na verdade, eu estou viva até nas palavras que você acaba de proferir”.
No mundo literário em que vivemos, é possível continuar redescobrindo a riqueza da comunicação através das línguas modernas, que saciam sua sede bebendo nas fontes originais perenes. Dessa forma, falar grego e latim não é tão difícil assim.
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Frei Claudino Dal´Mago chegou a Agudos pela primeira vez como professor e, 1980. Entre idas e vindas soma 20 anos de presença nessa casa de estudos. Além das aulas de francês, literatura, retórica, latim e grego, ele é também diretor do Grêmio Literário.